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novembro 07, 2002

Certas demontrações de maldade humana me deixam realmente revoltada. Acho que já falei aqui da minha mãe, Dona Rosinha. Hoje, uma da tarde, estou já na porta, saindo pro almoço, ela me liga. Toda ofegante, ela tem pressão alta, cacete!
"Escuta, escuta! Você tem U$2000?"
"Por que, mãe?"
"Porque tenho oportunidade de ganhar R$20.000,00. Mas preciso de U$2000!"
Vocês já devem ter adivinhado. Aquele velho golpe do bilhete premiado. Já tentaram comigo, há uns dez anos atrás. Além de tudo os filhos-da-puta têm preferência por nisseis. Acho que temos cara de otários, pelo jeito. Além de golpistas, preconceituosos.
Comecei a falar que era um golpe e ela, desesperada:
"Não, não, eu juro que é verdade! A moça que estava comigo ligou pra Caixa Econômica!"
"Mas mãe, essa mulher é uma cúmplice..."
"Não, ela veio depois, também não sabia de nada!"
E eu, como já fazia tempo, não lembrava direito como era o golpe. Tentei explicar, mas ela simplesmente não me ouvia, estava obsessiva, nervosa, brava porque eu, sua filha, não queria acreditar nela e por isso estava perdendo uma grana. E eu, preocupada, imaginando se ela não havia levado pra dentro da nossa casa os bandidos, se eles não estariam ali do lado, prontos a fazer algo se chegassem a conclusão que não ia rolar a grana. Consegui perguntar onde estava, se estava sozinha, e concluí, afinal, que ela estava segura em casa. Mas ela não acreditava em mim! O teatrinho dos bandidos fora tão convincente que ela estava alucinada, não via mais nada na sua frente! A minha gastrite começou a doer. Comecei a perder a paciência com ela repetindo, repetindo sem parar sobre a grana, a história do sujeito que a parara na rua, da moça que aparecera em seguida, que tinham marcado pra levar o dinheiro em tal lugar... Cacete, por que ela não acreditava em mim??? Comecei a gritar:
"Mãe, você não vai mais se encontrar com esses bandidos, ouviu? Eu proíbo!"
Cena surreal. A raiva comendo o meu estômago. E ela:
"Tá. Vou perder essa oportunidade, então, por sua causa!"
Cada vez mais surreal. A única maneira de provar que eu estava certa era deixar a minha mãe ver por si mesma? Ou ela ia ficar o resto da vida me culpando por aquilo?
"Mãe, fica aí, não saia de casa, ouviu? À noite a gente conversa."
Desliguei. Fui até a sala da Elza e disse pra ela ligar pra Dona Rosinha. Ela sempre soube conviver melhor com ela. Por sorte (?), Elza também - olhem só que filhos da puta! - foi abordada da mesma forma, há um ano, na Avenida Paulista. Bem mais recente, vivo na memória. Ela não deu a grana para eles, nem eu. Não somos velhinhas que sempre viveram cuidando da família e da casa. Elza descreveu todo o golpe e convenceu minha mãe que eu não era uma descrente, responsável pela perda da oportunidade de sua vida. E os bandidos ainda estão por aí, enganando gente inocente e, mesmo quando fracassam, fazendo vítimas. O meu estômago que o diga!

novembro 06, 2002

Fiz esta logo depois da minha viagem a Portugal...



DEPOIS DE LISBOA
SP, 02/10/2001
Giulia Moon

Cá em outros mares,
A minha poltrona assiste
Cenas d'além mar.

Um ato clown
Às vezes down.
Psychomuletas verbais.
Cyberfantasy free.
Cínicos senhores da guerra.
Dançam a rodar.
Uma pirueta, duas piruetas,
California roll,
Fish & chips.

Que seja,
O mundo e o Tejo
Estejam na minha poltrona.
Helás, o deslanche
Da performance
Do "se".

"Se numa terra distante"...

CLAP, CLAP, CLAP!
O fim chega nesse instante...



novembro 03, 2002


Crianças, este texto escrevi há algum tempo atrás para um dos meus amigos Paulos. Sim, tenho alguns Paulos na minha vida. Amigos queridos. Creio que este Paulo aqui não freqüenta o blog, o que é uma pena, pois vocês gostariam muito dele. Enfim, lá vai. Amigos são assim, para serem cantados em prosa e verso.



YEAH, BIG PAUL

Hoje me dei conta que há muitos Paulos no mundo. Nem adianta citar os Paulos famosos, os Paulos safados, os paulos assim, com "p" minúsculo, que têm em comum a letra inicial do putaquepariu. Quero falar dos Paulos maiúsculos, dessas fortalezas em forma de gente que ando encontrando em número razoavelmente grande nos últimos tempos. Sorte nossa que existam tantos e bons exemplares paulíneos para tornar mais saudável o ecossistema humano. Alguns Paulos estão por aí, vistosos, falantes, se declarando bijuteria barata pra disfarçar a viadice de serem jóias puras. Outros são como pedras brutas de valor inestimável, escondidas sob ásperas camadas de silêncio, o talento sempre reconhecido sem grande esforço de sua parte, como se, por milagre, o mundo se transformasse num lugar justo, onde a habilidade de fazer política não fosse mais a arte do sucesso.

Pois é, essa é uma das características inerentes à condição de ser um Paulo: o dom de possuir a qualidade da exceção. E que exceção mais honrosa seria um grande Paulo, exemplo mais evidente dessa regra, que tem uma excepcional capacidade de raciocínio mas que mergulha na emoção como se entrasse numa transe mística? Então, é isso. Paulo. Paul. Big Paul. Paul Arnoux. Um refrão de rock. Grande já no tamanho mas que fica enorme, gigante mesmo, quando aponta com o seu dedo de Michelangelo para a platéia extasiada pela sua voz de anjo infernal. Quem diria que esse cara, que parece um espécime intelectual da era da internet, é um sujeito de sangue, suor e lágrimas, de adrenalina represada pronta pra explodir e espirrar pra todos os lados?

Vou lhes contar como tudo começou. Eu era diretora de criação de uma agência de publicidade. Tarde de lusco-fusco, entrevistei um certo Paulo Ferreira, redator, indicado por amigos comuns, bom papo, inteligente, bom profissional, um currículo adequado. Tudo acertado, dias passando, o cara aí, trabalhando, papo vai-e-vem e ele citou de passagem que já participara de um grupo de blueseiros. Huum, pensei. Bom, confesso que não pensei muito. Aí, mais meses, Paulo-redator se transformou no Paul Arnoux do meu grupo de escritores na internet. Ah, isso também é típico desse Paulo. A cada instante, descobre-se uma nova habilidade, a cada momento ele o surpreende com um conhecimento inesperado. Mais meses. Uma festa na agência. E ele pegou um violão e deu um show. Vocês não vão acreditar. O cara era um furacão. Stones, Led Zeppelin, Creedence, Beatles, Clapton e muitos outros monstros estiveram ali, dando uma canja pra ouvidos surpresos. Bem, gostar de cantar em festinhas, ter uma voz aceitável, cantar afinadinho é legal, mas não é tudo isso, vocês podem pensar. Mas era diferente com esse Paulo. Adrenalina. Dava pra sentir a tensão. E conhecimento de causa quando ele soltava o seu vozeirão pra um yeah rouco. O nosso Paul respira rock o dia inteiro. Podia citar milhares de músicas, roqueiros, autores, e, com certeza, cantaria e tocaria a maioria delas. Deixaria no chinelo a maioria dos apresentadores das FMs. Tem uma bela diferença, sim. Até eu podia perceber.

Então Paul-Paulo confidenciou, um dia, que estava ensaiando com um grupo. Uma banda de roqueiros, ótimos instrumentistas. Acreditei, pois ele tem outra característica marcante: quando se trata de assuntos de seu interesse, não se contenta com material de segunda. Pode até suportar mediocridades momentâneas mas ele almeja o melhor, sempre. Pois é, a banda. Agora tinha ainda menos tempo pra escrever, ensaiava nos fins-de-semana. Oras, oras... Veio o convite de Priscila, amiga da lista de escritores e caça-talentos improvisada de uma FM, pra um show a céu aberto, em Caraguatatuba. Na lista, participamos da votação para o nome da banda. Ganhou Winghead. Eu votei em Barfly... Bem, pelo menos restaram as asas.

Uma coisa leva a outra e Paulo & sua banda descolaram uma apresentação – a primeira - num barzinho em Interlagos. E lá fomos nós: quatro mulheres num Golf, numa chuva cataclísmica rumo ao sul. Sabia que o show iria ser um sucesso. Ah, não ia perder isso! Nada a comentar sobre o percurso acidentado, pois tudo foi esquecido no momento em que nasceu mais um Paulo nesse campo fértil em múltiplas personalidades paulíneas: Big Paul, o vocalista do Winghead. Um solitário cara normal em meio a um mar de cabeludos. O seu cenário, um palco minúsculo num local inacreditável com um balcão de bar e um enorme quiosque com mesinhas enferrujadas embaixo. O ambiente úmido de uma chuva pesada insistente e o coro improvisado de um cachorro acorrentado a alguns metros do palco. Feio, sujo e malvado, ideal pra um roqueiro. A platéia, ah, a platéia! Garotos e garotas com o mesmo comprimento de cabelo, vestidos de jeans e bandanas na cabeça. Sujeitos que pareciam saídos de um road-movie. Motoqueiros easyriders. Um sósia do João Gordo sacoleja no bar, ao ritmo da música. Garçom bêbado insiste em colocar uma mesa onde cabe meia cadeira. E nós. E o cachorro latindo.

Big Paul on stage. Nada mais importa. Os meninos da banda são demais. Desleixo de roqueiro, virtuosismo de solista sinfônico. Sim, o nosso Paulo é também um cara que adora reconhecer o trabalho dos companheiros. Sem falsos bom-mocismos. Ele é assim porque é assim que se consegue o melhor resultado. Uma equação incontestável. E prazerosa. No palco, o vocalista se funde aos demais e eles são um só, já não se percebe o cabelo, as roupas, o porte diferente do Paulo. Ele é puro rock. Começam os aplausos. Assovios. Pedidos de músicas. Big Paul, o gigante. Ele comanda o show, traz a música ao peito, joga-a para o céu, arremessa para a platéia que a recolhe, agradecida. Sucesso total, eu tinha certeza que isso ia acontecer. Porque Big Paul é da raça nobre dos Paulos. Cujo desafio mais difícil é enfrentar o instante depois da vitória. Geralmente, o caminho até a glória pode dar mais tesão do que a glória em si. E esse caminho começou agora pro Big Paul. Ainda bem.

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