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março 08, 2005

Feliz Dia da Mulher para todos!
Leiam agora um conto inédito, especialmente para a data.

Um grande beigiu a todas as mulheres...






MULHERES SÃO ROSAS
Giulia Moon


“Mulheres são rosas.
Não apenas pela beleza.
Mas pela complexidade”




Como todas as noites, ela andava só. Como todas as criaturas. Como todas as vampiras. Até os seres humanos são solitários, ao final. Quando se nasce, quando se morre... O que somos, além de nós mesmos? As mulheres são as criaturas mais solitárias do mundo, pois não desejam a solidão.

Ela sorriu para um homem. Homens. Tão simples no pensar, no querer... O homem sorriu de volta. A sua boca estava aberta, os dentes faltando na frente. Ele sorriu um sorriso bobo, o pau duro, o cheiro de suor e de sujeira acumulada rescendendo em toda a volta. Já havia passado dos sessenta, tinha o estômago e os intestinos podres, ia acabar na sarjeta hoje ou amanhã, a morte chegando rápida, sem ele mesmo perceber. Acordaria no Além, no vazio. E ninguém notaria. Por enquanto, notavam apenas o estorvo do seu corpo balançando e roçando nas pessoas limpas, a sua voz esganiçada recitado poemas de Fernando Pessoa, o seu caderno onde anotava cem, mil vezes o mesmo verso do poeta.

“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente”*


Um toque, um roçar. Mãos de mulher pegam no seu cotovelo e o conduzem pela rua. Feliz, ele pensa que sonha. Com a beleza, com o perfume, com a maciez da pele, com formas redondas e mansas. Ele sonha com a mulher, as que teve um dia e as que terá jamais. Um dia, perdera o rumo. Porque o homem só se torna solitário de verdade quando se perde da mulher.

Agora, ela o leva pela mão. Passos leves. Boca vermelha, rosa com espinhos a aflorar entre os lábios entreabertos. Suculentos como só os de uma mulher. Ele brinca e canta. Está feliz. Está com ela. Ela, graciosa como só uma mulher.

“Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.


“Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo. **


Assim cantou, Pessoa da sarjeta, para a mulher que o acolheu. Ela o fita com olhos de sangue. Dentro dela mora um vazio de dor e de amor. Há algo de ancestral na solidão dela e na carência dele. O abismo em que padecem desde sempre o homem e a mulher.

“Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,


“Se cada ano com a Primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?


“E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?


“Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva”**


Ele sonha, sonha de dia. Uma mulher o acalentou. Mãe, amante, musa com o nome de ilusão. Maya... Ela partiu com a manhã. Saiu sem um adeus, apenas com um sorriso de espinhos na boca de rosa. Restaram as marcas de um beijo doído, tatuado com sangue no corpo na sarjeta. Não mais Pessoa, apenas um objeto inerte. Que não foi solitário por uma noite, afinal.


* “Autopsicografia”, Fernando Pessoa
** “Prefiro Rosas”, Ricardo Reis (um dos heterônimos de Fernando Pessoa)

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